quarta-feira, 19 de março de 2014

Cabral rompe compromisso de não reajustar tarifas

Sérgio Cabral, em uma decisão vista como sinal de bom senso político, havia anunciado em janeiro que não reajustaria as passagens de metrô, barcas e trem. O governo iria procurar uma forma de compensar as concessionárias de transporte público para atender aos anseios da população. Em fevereiro, todavia, foi aprovado o reajuste da tarifa das Barcas. No final do Carnaval, no dia seguinte à Quarta-Feira de Cinzas, Cabral assinou uma nova lei, na qual a Agetransp se baseou para autorizar nesta terça-feira (18) o aumento da passagem dos trens e do metrô. Cientistas políticos acreditam que o governo talvez espere que a medida não desperte tanta repercussão, já que o Estado enfrenta um debate maior em relação à segurança pública. Mas a aposta pode dar errado, já que se trata de algo que afeta a rotina diária das pessoas e que confirma ainda que o governo está comprometido com interessesempresariais, e não com os cidadãos.
Enquanto a passagem aumenta, cresce também o desconforto com o serviço oferecido pela SuperVia e Metrô Rio. Nesta segunda-feira (17), fumaça em uma composição em São Cristóvão desesperou os usuários do transporte, entre eles crianças. Na ocasião, passageiros tiveram que forçar a abertura de portas para escapar do desconforto. Composições também enfrentam constantes problemas com seus intervalos. Nos trens, a situação tem se mostrado ainda pior, com seguidos descarrilamentos que deixam feridos e atrapalham a rotina do trabalhador.
"O reajuste é uma medida que mostra o descompromisso do governo do Estado com a população fluminense. Mostra que ele é um governo dos grandes lobbies empresariais, que se apropriaram dele, com quem têm vínculos profundos, pois financiam parte das campanhas eleitorais. Isso mostra o por quê desse governo ser tão rejeitado pela população", alerta Carlos Eduardo Martins, professor do Departamento de Ciência Política da UFRJ.
A tarifa dos trens vai sofrer um aumento de 5,60% e do metrô de 5,66%. A passagem do metrô passa em maio de R$ 3,20 para R$ 3,50 e dos trens de R$ 2,90 para R$ 3,20. No ano passado, as tarifas subiriam para R$ 3,50 e R$ 3,10, respectivamente, mas foram congeladas com os protestos de junho. Os novos valores devem ser implantados em um prazo mínimo de 60 dias. A Agetransp informou que estabeleceu as tarifas conforme a Lei Estadual nº 6.700, de 6 de março deste ano. 
"Aí o Cabral vem e volta atrás em sua palavra, com base em lei aprovada sem discussão, sem conhecimento. Eu acredito que o Cabral apostou que isso não vai ter repercussão, diante do quadro que a discussão maior é na área de segurança pública", esclarece Paulo Baía, professor do Departamento de Sociologia da UFRJ. Acontece, acredita, que a mobilidade urbana talvez seja a questão que mais mobiliza as pessoas, e o aumento do número de usuários, devido às obras na cidade, aliado ao aumento das passagens, deve "gerar um grande número de andarilhos".
Usuários do bilhete único pagam a antiga tarifa, mas com um limite de duas passagens por dia. Diz a nova lei, Nº 6700, de 6 de março de 2014: "Os usuários, portadores do cartão de Bilhete Único, terão o direito de realizar duas viagens diárias nos transportes ferroviários e metroviários, na categoria social, pagando as tarifas ferroviárias e metroviárias, sociais temporárias, observada a temporalidade prevista na Lei 5.628, de 29 de dezembro de 2009."
Entre a população do Grande Rio, no final de fevereiro deste ano, o Bilhete Único tinha 2,4 milhões de usuários. De acordo com o Censo do IBGE de 2010, a Região Metropolitana do Estado abriga 11,8 milhões de pessoas. Aproximadamente 20% da população do Grande Rio, então, faz uso da modalidade tarifária, o restante terá que arcar com os novos valores. Baía reforça que, como a expectativa inflacionária é maior, o dinheiro das pessoas está valendo menos, o que, em termos macroeconômicos, contribui para o aumento da inflação.
Conforme explica Luís Eduardo Serra Netto, especialista em Direito Público Econômico, do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados, o reajuste das tarifas acaba se tornando útil na hora que o Estado precisa cobrar um bom atendimento da concessionária. Se a tarifa fica abaixo do que se alega como necessário, a empresa pode continuar prestando um serviço ruim e afirmar na Justiça que a tarifa estabelecida não a permite melhorar, fugindo de eventuais multas. 
"A qualidade da prestação do serviço público não está relacionada com a tarifa. A tarifa, em condições normais, deve garantir a execução do serviço adequadamente. A forma de controle da qualidade do serviço que está sendo prestado só pode ser feita por multa, que tem mais um caráter pedagógico. Você reter o reajuste da tarifa não pode servir como forma de punição do prestador de serviço. O usuário fala que não quer pagar mais, só que o serviço deverá ficar cada dia pior se você não remunera da maneira adequada", comentou Serra Netto.
O reajuste, como destaca Paulo Baía, acaba afetando mais as classes baixas do que a alta, que não percebe o efeito de mudanças como esta. Ele lembra que quando Sérgio Cabral negou o reajuste, em janeiro, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, anunciava o aumento das tarifas municipais. Cabral teria tomado a decisão, acredita, para entrar em sintonia com a reivindicação das ruas, levando em conta ainda os acidentes com os trens da SuperVia. 
"Mais uma vez, a hierarquia da cidade beneficia a classe média e alta e penaliza a classe média baixa e os pobres. Eu sou da classe média alta, não passo por problemas. Mas quem vem da Pavuna está tendo problemas, quem tem que fazer integração está tendo problemas. Se instalou um clima de imobilidade urbana, que afeta a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. As pessoas estão passando mais tempo no engarrafamento, mesmo fazendo opção pelo transporte coletivo, porque é um transporte coletivo de má qualidade", disse. 
Baía destaca que o governo até reconhece a má qualidade do transporte público, mas justifica que as concessionárias precisam de longo prazo e de verba para realizar melhorias. Porém, lembra, como as pessoas não vivem no longo prazo mas, sim, no "aqui e agora", a situação só tende a piorar. (JB/Redação)

Um comentário:

Unknown disse...

Se aumentar as passagens, consequentemente, os investimentos crescem, isso não é bom?