segunda-feira, 24 de março de 2014

Em reforma de muro, Jockey Club apaga grafites e provoca polêmica

Mesmo com a concorrência, logo em frente, de um dos maiores patrimônios dos cariocas — o verde do Jardim Botânico —, o grafitado muro do Jockey Club Brasileiro (JCB) se impôs, com o tempo, como parte da paisagem do Rio. Mas, há duas semanas, o próprio clube começou a passar uma borracha nesse grande painel que virou, ao longo dos anos, uma obra de arte urbana coletiva, assinada pelos maiores grafiteiros do Brasil e do exterior.
Um trecho conhecido como “muro baixo’’, próximo à Praça Santos Dumont, foi pintado em tom bege, repetindo o que já havia sido feito com a área voltada para a Rua General Garzon. Com o avanço da reforma, trabalhos de grafiteiros da cena carioca, incluindo Carlos Bobi e Bruno Big, e de lendários como o americano Daze, de Nova York, se perderão para sempre. O Jockey é categórico: em nota, diz que vai pintar o muro inteiro e prevê que a iniciativa será concluída em 40 dias.
O clube alega que a obra faz parte de seu projeto de revitalização e que a manutenção do muro é uma exigência do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, da prefeitura, já que o conjunto foi tombado pelo município. O clube afirma ainda que apenas o muro das Vilas Hípicas, na Avenida Borges de Medeiros, não está protegido e poderia ser liberado para o grafite. O Instituto EixoRio, criado pelo prefeito Eduardo Paes na ocasião do decreto batizado de GrafiteRio, publicado em fevereiro, promete se meter na questão para mediar o conflito entre o Jockey e os grafiteiros. A promessa do presidente do instituto, o rapper Marceelo Duguettu, é tentar o diálogo.
Muros sem conservação
A medida do prefeito liberou a artistas postes, colunas, laterais de prédios, pistas de skate, tapumes de obras e muros, com exceção dos considerados patrimônios históricos. Viadutos e fachadas de imóveis públicos e tombados também estão vetados.
— Vamos fazer um movimento e tentar conversar com o Jockey para buscar uma solução. Se a arte urbana foi absorvida por parte de um patrimônio, ela também é parte deste — opina Duguetti, para quem o muro do Jockey em branco seria “irreconhecível”. — Seria mais coerente pintar o muro e convidar cem grafiteiros para fazer uma arte.
Polêmicas à parte, o muro da Rua Jardim Botânico precisa de reforma: em toda a extensão, há queda de reboco, plantas ameaçando a estrutura e rachaduras. Em algumas partes, ele se funde a antigas construções, das quais restam apenas as fachadas. Todo o muro que envolve o Jockey tem três quilômetros.
— Até aprovo a reforma. Mas poderiam catalogar os trabalhos e entrar em contato com os grafiteiros para que os desenhos fossem, após a obra, renovados. O muro faz parte da história cultural da arte urbana carioca, é um patrimônio do Rio — diz Carlos Bobi, grafiteiro de estilo realista e autor de dois painéis. — O muro pintado vai funcionar como uma folha em branco para os pichadores.
Já o presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, Washinton Fajardo, afirma que o decreto municipal “prevê respeito ao patrimônio”:
— O ponto concreto é que ele faz parte de um conjunto urbanístico e arquitetônico tombado e precisa ser reabilitado sem grafite. Existem outros muros do Jockey que podem receber intervenções. Os de caráter mais históricos, não.
O grafiteiro Bruno Big diz que viu algumas de suas obras desaparecerem nesse processo:
— Apesar de saber que a nossa arte é efêmera, imagino que todos os artistas ficaram muito insatisfeitos com essa situação. No muro de Berlim, fizeram a East Side Gallery. Os artistas que pintaram o muro nos anos 90 foram chamados para repintar suas obras na parede.
Os grafites ocupam o muro do Jockey desde o início dos anos 2000, quando o artista ACME fez uma homenagem ao músico Marcelo Yuka. (G1/Redação)




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