segunda-feira, 19 de março de 2007

Conexão do crime entre a Mangueira e as Farc


Bandido do morro carioca vai à fronteira do Brasil com a Colômbia buscar cocaína pura feita por guerrilheiros. A entrega ocorre até em festas

Dos acampamentos de guerrilheiros das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) direto para as bocas-de-fumo do Morro da Mangueira. Investigação da Polícia Federal (PF) brasileira indica que criminosos da comunidade ligada à facção Comando Vermelho (CV) e também da Favela do Jacarezinho negociam pessoalmente, e com regularidade, cargas de cocaína na fronteira entre os dois países, inclusive durante festas promovidas pelos guerrilheiros. Os ‘emissários’ cariocas do crime à região fronteiriça foram identificados como Negro, da Mangueira, e Sapo, do Jacarezinho.

A dupla faz parte do grupo de bandidos do CV investigado pela PF por fazer negócios com as Farc. São 18 os criminosos que viajam freqüentemente à região, como O DIA noticiou em abril. O grupo está ocupando o espaço que já foi exclusivo de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, capturado há seis anos. A prisão do megatraficante — responsável pela distribuição de drogas na maior parte das favelas do Rio — foi em território colombiano.

Desde ontem, O DIA mostra como a Colômbia tem conseguido reverter o quadro de violência absoluta registrado nas últimas décadas. Os programas de combate à criminalidade serão conhecidos pelo governador Sérgio Cabral. A intenção de Cabral, que viaja este semana àquele país, é adaptar as soluções do vizinho à realidade do Rio, para tentar interromper a escalada de violência que transformou os cidadãos fluminenses em reféns do crime organizado.

Prova da presença dos traficantes cariocas nas cidades colombianas na fronteira com o Brasil é o depoimento de um brasileiro desertor das Farc, a que O DIA teve acesso.

No documento, Paulo Rafael dos Santos Júnior, 30 anos, que em 2005 passou nove meses refém de guerrilheiros num acampamento na Colômbia, afirma que durante festa, em acampamento no povoado de San Felipe, conheceu Sapo e Negro. Ele também conta que os dois foram à região para comprar cocaína e comentaram que "o negócio agora não é mais trocar tiro com a polícia".

Em outro trecho do depoimento, Paulo Rafael informa que Sapo e Negro eram conhecidos dos homens que freqüentam a região e que chegaram a apresentá-lo a dois comandantes das Farc. O depoente afirma que chegou a ver sacos empilhados com uma tonelada de cocaína para envio ao Brasil.

Na Mangueira, a Polícia Civil apreendeu, em junho, 20 quilos de cocaína do tipo ‘capa preta’, vendida pelas Farc. O grau de pureza da droga a torna disputada pelos traficantes. "Ela tem 98% de pureza. Isso representa rentabilidade, já que os traficantes transformam uma tonelada em cinco, depois de misturarem com outras substâncias", explica o chefe da Delegacia de Repressão a Entorpecentes da PF do Rio, delegado Victor Santos.

Repressão, mas com ações sociais

A Colômbia ainda enfrenta guerra civil entre guerrilheiros, paramilitares e narcotraficantes, mas os avanços obtidos pelo país na luta contra a criminalidade são exemplares. São essas ações que estão levando o governador Sérgio Cabral Filho ao país vizinho. Acompanhado do secretário de Segurança Pública, delegado José Mariano Beltrame, ele chega à Colômbia quinta-feira. O governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), também faz parte da comitiva.

Na agenda do grupo, encontro com autoridades e apresentação de programas considerados revolucionários no combate à criminalidade. Sexta-feira, quando iniciam a agenda oficial, se reúnem com ex-prefeitos de Bogotá. Depois vão a Medellín, onde conhecerão o Metrocable — teleférico de 2.072 metros que facilitou o trânsito de cidadãos entre o centro da cidade e o bairro de Santo Domingo, um dos mais violentos nos anos 90. Eles também se reunirão com o presidente Álvaro Uribe. O último evento é sábado: encontro com reis da Espanha, Juan Carlos e Sofia.

Entre as lições que o governador verá estão atos simultâneos de repressão à criminalidade e investimentos pesados em programas sociais, culturais e de reforma urbana nos locais mais carentes.

A ALIANÇA QUE EXISTE HÁ 10 ANOS

A aliança dos traficantes brasileiros com guerrilheiros das Farc que comercializam cocaína começou com Fernandinho Beira-Mar, em 1997. Na época, o criminoso já dominava o tráfico de drogas e armas na fronteira do Brasil com o Paraguai, e mantinha enorme rede de contato com traficantes internacionais. "Com o aval desses grandes traficantes, Beira-Mar foi ‘apresentado’ a Tomás Medina Caracas, o Negro Acácio, líder da Frente 16, um dos principais grupos das Farc, e um dos mais perigosos, lembrou o delegado federal Victor Santos.

Beira-Mar ganhou a confiança do comandante da Frente 16 — unidade das Farc que admite que vende cocaína para financiar a guerrilha — porque tinha ‘status’ de bom negociante. "Como pagava bem, adiantado, se responsabilizava pela entrega e o transporte da droga, Beira-Mar desenvolveu forte relação de confiança com o guerrilheiro", explicou o policial federal.

Inicialmente, Beira-Mar se beneficiou do esquema de tráfico de armas que mantinha. Comprava cocaína colombiana e pagava com armas paraguaias.

O traficante cumpre pena na penitenciária de segurança máxima de Catanduvas (PR). Ano passado, alguns integrantes de sua quadrilha ganharam a liberdade e retomaram ‘negócios’ na fronteira do Brasil com o Paraguai.

Já no Morro da Mangueira, os traficantes, segundo a polícia, chegam a faturar até R$ 1 milhão por semana na chamada ‘alta temporada’, entre meses de novembro e fevereiro. O ‘exército’ da favela tem cerca de 150 homens fortemente armados.

SEQÜESTROS PARA OBRIGAR GOVERNO A RECUAR

Na Colômbia, o tráfico de drogas esteve no auge de seu poder nas décadas de 80 e 90. Na época, uma das figuras de destaque era Pablo Escobar, morto em 1993. Chefão do Cartel de Medellín, o traficante enfrentou com sucesso as instituições colombianas por várias décadas.

Quando o governo iniciou reação mais efetiva contra os chefões da máfia, Escobar comandou uma escalada de seqüestros de jornalistas e atentados contra políticos no início dos anos 90. A intenção era pressionar as autoridades para impedir a extradição dos chefões da cocaína para os Estados Unidos. Os traficantes queriam revogar o tratado de extradição entre a Colômbia e o governo americano.

O episódio inspirou o livro ‘Notícia de um sequestro’, do escritor e jornalista colombiano Gabriel García Márquez, Nobel de Literatura. O escritor relata o drama dos seqüestrados e suas famílias e mostra a força que Escobar detinha na Colômbia. "O problema era encontrar Pablo Escobar numa cidade martirizada pela violência. Nos dois primeiros meses de 1991 tinham sido cometidos mil e 200 assassinatos — 20 diários — e um massacre a cada quatro dias", relata Márquez no livro.

A publicação detalha, inclusive, a morte da jornalista colombiana Diana Turbay, seqüestrada pelos traficantes e morta por bala perdida durante tentativa de resgate promovida pelo Exército colombiano.

Fonte: O Dia Online

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