terça-feira, 10 de setembro de 2013

Cresce o número de assaltos no entorno de colégios em Botafogo


O aumento no número de assaltos em Botafogo e bairros próximos, em plena luz do dia, alterou a rotina dos alunos de colégios e faculdades da região. Eles agora usam sapatos surrados e evitam sair com aparelhos eletrônicos nas mãos. As reclamações frequentes levaram instituições como as Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha) e os colégio Andrews e Santo Inácio a alertar pais, alunos e professores sobre o problema, por meio de comunicados, bem como a se reunir com o batalhão da área pedindo reforço do policiamento.


O principal alvo dos ladrões são os celulares. Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), o roubo dos aparelhos subiu de quatro, em julho de 2012, para 23 no mesmo mês deste ano, na região que abrange Botafogo, Humaitá, Urca, Cosme Velho, Flamengo, Laranjeiras, Catete e Glória. O assalto a transeuntes, no mesmo mês, cresceu 82,5%, passando de 63 registros em 2012 para 115 este ano. No acumulado do ano, foram 843 roubos a transeuntes, contra 595 de janeiro a julho de 2012.

Após seu filho de 16 anos ter o celular roubado duas vezes, na Rua Dona Mariana, Nelson Leal comprou um aparelho de pior qualidade para ele. Um dos assaltos aconteceu na hora da entrada, e o outro à tarde, na saída das aulas. No último dia 28, o Santo Inácio publicou um aviso em seu site, dizendo-se “ciente do aumento de assaltos”. E informou que vem passando aos estudantes “medidas preventivas para evitar chamar a atenção de assaltantes”. Mas ressaltou que o policiamento de espaços públicos compete ao Estado, o que impede “a contratação de agentes de segurança particulares”, como alguns pais pediram.

— O medo cresceu quando uma mãe foi assaltada após deixar o filho na porta do colégio, ao retornar para o seu carro. Levaram o veículo — disse o diretor administrativo do colégio, Jorge Alberto Torreão Daú.

Antonio Carlos Kirchmayer, diretor administrativo do Andrews, no Humaitá, também ouviu queixas de pais. Após reuniões com o 2º BPM (Botafogo), um carro da polícia passou a ficar próximo ao colégio nos horários de entrada e saída, mas os assaltos continuaram.

— Em reunião com a PM, fomos informados de que o batalhão está montando uma pequena operação para detectar e prender esses assaltantes. Também nos disseram que muitos são do Santa Marta, do Pereirão e até da Mangueira. Geralmente são menores de idade, pelo que nos contaram os alunos — disse Kirchmayer.

A PM não revelou as suspeitas em relação às origens dos assaltantes e disse que essa identificação está sendo feita pela Polícia Civil. O 2º BPM montou um esquema de rodízio no patrulhamento nos horários de entrada e saída de escolas e universidades do bairro. O comandante do batalhão, tenente-coronel Alípio de Almeida Bonfim, confirmou ter recebido as denúncias e foi às escolas.

Na Facha, que já divulgou dois comunicados relatando os problemas e reuniões com a polícia, os alunos evitam sair sozinhos. Ainda assim, os assaltos são diários, conta o estudante de comunicação Paulo Roberto Júnior. Em março, ele estava na Praia de Botafogo, pouco antes das 19h, indo para a faculdade, e foi surpreendido por um homem armado em um carro, exigindo o iPhone:

— Nem tenho iPhone, mas entreguei meu celular. Fui à 10ª DP, e a atendente disse que eu teria de agendar pela internet.

A Polícia Civil explicou que o programa Hora Marcada existe, mas a vítima pode fazer o registro sem agendar. Se for impedida, ela deve procurar a Ouvidoria da Polícia ou a Delegacia Supervisora.

‘Menores ficaram rindo na delegacia’

No último dia 29, Jessica Mendes foi roubada às 11h20m, quando ia da Facha para o metrô. Quatro jovens a jogaram no chão. Eles a chutavam, exigindo que ela entregasse o celular.

— Fiquei com hematomas no braço e na perna. Um homem veio me ajudou e fomos atrás dos bandidos. Um bombeiro conseguiu segurá-los. Três deles eram menores de idade e ficaram rindo na delegacia, dizendo que em breve estariam na rua para cometer novos assaltos — contou.
As vítimas não se restringem aos estudantes. Na semana passada, repercutiu nas redes sociais o caso da médica Shanna Calvente, agredida na Praia de Botafogo, que ficou com hematomas no rosto, no braço e na perna. Quatro homens queriam sua bicicleta e seu celular.

— Cada um me puxava de um lado. Eles só pararam quando um casal começou a gritar. Em 30 anos, nunca havia sido assaltada. Não levaram minha bicicleta, só o celular e a brancura da minha pele — contou a médica.

A antropóloga Jaqueline Muniz, professora do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio (Iuperj) e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ressaltou que, para evitar assaltos, é preciso ter toda a área coberta:

— Houve perda de efetivo, ou foi necessário ceder policiais para os grandes eventos? Está havendo integração com o planejamento do policiamento das UPPs e a gestão da Guarda Municipal? Ou houve uma alteração na meta, com foco no registro desse tipo de crime para combatê-lo, já que ele tem grande visibilidade e gera um clima de insegurança muito forte? As respostas para o aumento dos roubos devem estar relacionadas a essas questões.

Objetos de desejo na era digital

Para a antropóloga Regina Novaes, pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), os crescentes registros de roubos de aparelhos celulares escancaram que há no país um abismo entre as possibilidades oferecidas pela tecnologia e os meios de inserção digital disponíveis para a juventude de classes sociais diferentes. Os smarthphones, observa uma das mais respeitadas pesquisadoras sobre infância e juventude do Brasil, são símbolo de toda uma geração que quer estar conectada.

— Esta é uma geração conectada à internet, mas a qualidade e os meios desta inserção digital ainda são muito díspares. Claro que ninguém celebra esta espécie de atitude Robin Hood, de quem não tem tirar de quem tem. Mas é interessante a gente observar que esses episódios apontam para o grande hiato que ainda há no país do ponto de vista econômico e social, a despeito dos avanços nos últimos anos. Estamos falando de jovens que partilham os mesmos objetos de desejo — analisa.
Mestre em antropologia do consumo e professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Hilaine Yaccoub diz que os smarthphones viraram acessório de moda e item de distinção social.
— Não sei as razões de quem rouba. Pode ser para comprar drogas, trocar por outros produtos, não dá para dizer. Mas a sociedade partilha dos mesmos símbolos culturais. E o smarthphone virou objeto de desejo. Todos querem estar conectados, dizer o que pensa no Facebook, compartilhar fotos. E estes celulares têm um grande custo-benefício. Agrega, no mesmo aparelho, vários produtos, como agenda eletrônica e aplicativos de entretenimento. É uma companhia num mundo cada vez mais individualizado. (G1/Redação)



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