terça-feira, 25 de março de 2014

Produtores apostam em bairros como Tijca e Méirer para eventos culturais

Chacal e seu CEP 20.000 são ícones da cultura carioca que, ao longo das últimas décadas, se espraia pelos baixos e praias da Zona Sul. Leo Feijó, à frente de espaços como a Casa da Matriz e o Cinemathèque, ajudou a moldar esse mesmo cenário a partir dos anos 1990. Mais novo, o produtor-artista-agitador Qinho cresceu no mesmo ambiente e, ao surgir, foi recebido como novo “menino do Rio” (leia-se sal, sol e, logicamente, sul). Hoje, os três olham para o norte — a Zona Norte. Eles desenvolvem projetos no Imperator — Centro Cultural João Nogueira, um dos polos da região, localizado no Méier. Não se trata de coincidência, ou iniciativa específica, oficial, do espaço da prefeitura. Outros projetos, espalhados por outros bairros, mostram que, depois de anos reduzido a fronteiras que iam do Leblon à Lapa, o mapa cultural do Rio que é visto parece começar a se deslocar para onde a bússola aponta.
— Tá vazando — define Qinho, num termo que toca na ideia de saturação evocada por outros artistas e produtores entrevistados para a reportagem. — Esse circuito de Zona Sul e Lapa começou a ficar asfixiado.
Não se trata de uma revitalização ou de um resgate. A cultura na Zona Norte, é claro, seguiu ativa desde sempre, a despeito da falta de investimentos ou de políticas públicas para a região — basta pensar no funk carioca, mais poderosa manifestação cultural da cidade das últimas décadas. O que acontece agora parece ser a junção, por um lado, de novas demandas da área (com o surgimento de uma jovem geração de produtores e o reconhecimento da existência de um público local) com a necessidade, por outro, do crescimento dos limites da cidade viável para o mercado da cultura de vanguarda (jovens artistas, linguagens experimentais). Uma cidade que se tornou pequena, espremida nos bairros nobres. E que agora, como exposto na metáfora de Qinho, começa a dar sinais de vazamento.
Eventos como o Ocupa Geringonça e Dobradinhas e Outros Tais são o reflexo disso. Realizados na região da Tijuca — pela proximidade com o Centro e com o acesso pelo Túnel Rebouças, o bairro é o que mais dá sinais desse movimento —, ambos já apresentaram artistas que seriam associados ao público da Zona Sul e a palcos como o (hoje fechado) Studio RJ, Audio Rebel ou mesmo o Circo Voador. Nomes como Curumin, Letícia Novaes, Ava Rocha, Céu e Metá Metá. Além disso, há outros pontos comuns, como a criação de espaços novos (o terraço de um restaurante na Praça da Bandeira, no caso da Dobradinhas, e quadras nos morros do Borel e da Formiga ou o estacionamento do Sesc Tijuca, como ocorre no Ocupa Geringonça) e o cruzamento de artes plásticas, música, cinema, design e fotografia.
— A agenda carioca de shows, que para a maioria dos artistas costuma se limitar à Zona Sul, não se sustenta — avalia Julianna Sá, idealizadora do Dobradinhas, série de shows realizada nos últimos meses que gerou um EP de canções inéditas feitas pelos músicos participantes (o lançamento será no dia 31 de março). — Quando pensei o Dobradinhas e Outros Tais, me pareceu um evento próprio para a Zona Sul, afinal os artistas se consolidaram lá, seu público estaria lá. Mas não é verdade. Há, obviamente, uma série de pessoas na Zona Norte interessadas em mil coisas. E não é uma novidade. O grupo Severiano Ribeiro investiu na reforma e na inauguração de salas de cinema na Conde de Bonfim pouco antes da abertura do metrô na Saens Peña. Queriam competir com a facilidade de se chegar à Zona Sul. Esse esforço, por décadas, deixou de existir, houve um abandono das iniciativas pública e privada. As pessoas se acostumaram que, pra ir ao cinema ou para ver um show, elas precisariam deixar seus bairros. Não é ruim deixar o próprio bairro, pelo contrário, é viver a cidade do tamanho que ela de fato tem. Só que esse tamanho, culturalmente, ficou pequeno.
O Ocupa Geringonça é uma parceria do Sesc Tijuca (que sustenta financeiramente o evento) com o coletivo Norte Comum (que faz a curadoria). O Norte Comum é um exemplo claro desse novo pensamento sobre a cidade, de abertura e circulação. Ele promove ações espalhadas pela cidade — uma das mais bem sucedidas é o Sarau Tropicaos, no Hospital Nise da Silveira, no Engenho de Dentro — seguindo a ideia expressa no texto de apresentação de sua página no Facebook: “O intuito não é de fechar o território, e sim de abrir”.
— O Norte Comum veio de uma ansiedade de muitos de produzir coisas para as pessoas que moravam na Zona Norte — explica Carlos Meijueiro, um dos articuladores do coletivo. — Um dos desejos era aproveitar os espaços já existentes, como na Tijuca temos o Teatro Ziembinski, o Centro Municipal de Referência da Música Carioca... Fomos bater na porta do Sesc e assumimos a curadoria do Geringonça. Acaba chegando também um público da Zona Sul, sobretudo nos eventos da Tijuca. Isso tudo vem num momento em que a cidade está te empurrando para fora. É cada vez mais difícil existir e resistir no Rio. É cada vez mais difícil arrumar um trabalho que pague a permanência aqui. O único caminho acaba sendo se reunir. A galera está se juntando para aproveitar o momento e entender o que vai fazer.
Leo Feijó trabalha na região com a mesma perspectiva, em projetos como o Território Criativo Grande Méier, em parceria com o Imperator.
— A ideia é estimular uma rede de produtores locais. — Você passa na Rua 24 de Maio e vê casas antigas enormes, mal cuidadas. São imóveis com aluguéis acessíveis, à espera de quem os ocupe com iniciativas culturais. Essas condições já se deram em Manchester (na Inglaterra), na Lapa, em Botafogo. Agora é ali, explica Feijó.
O produtor acredita que o aumento do custo de vida contribui para a percepção de que a cidade precisa crescer na direção da Zona Norte.
— Seu aluguel aumenta em 100%, e você é obrigado a considerar que a cidade não se limita à Zona Sul.
Chacal, que levará para o Imperator seu CEP 20.000 (será o CEP 20 Méier), defende essa movimentação:
— Tem que ir para a Zona Norte, é onde as coisas estão acontecendo. Há até uma percepção do poder público, editais que pensam a territorialização da cultura (no edital para seleção de Pontos de Cultura, de setembro de 2013, a Secretaria Municipal de Cultura estabeleceu um corte por território, determinando que 60% dos pontos fossem nas Zonas Norte e Oeste). Vem surgindo um pensamento interessante sobre a região, com caras como Marcus Faustini e (o diretor teatral) Marcus Galiña.
Qinho, que dialoga com o Norte Comum, levará ao Imperator o projeto Rio Música Contemporânea. Nele, em shows mensais, nomes da nova cena musical carioca dividem o palco com um artista consagrado.
—Vejo esse movimento como uma volta, um olhar para o lugar de onde a cidade veio — avalia o músico e produtor.Chacal e seu CEP 20.000 são ícones da cultura carioca que, ao longo das últimas décadas, se espraia pelos baixos e praias da Zona Sul. Leo Feijó, à frente de espaços como a Casa da Matriz e o Cinemathèque, ajudou a moldar esse mesmo cenário a partir dos anos 1990. Mais novo, o produtor-artista-agitador Qinho cresceu no mesmo ambiente e, ao surgir, foi recebido como novo “menino do Rio” (leia-se sal, sol e, logicamente, sul). Hoje, os três olham para o norte — a Zona Norte. Eles desenvolvem projetos no Imperator — Centro Cultural João Nogueira, um dos polos da região, localizado no Méier. Não se trata de coincidência, ou iniciativa específica, oficial, do espaço da prefeitura. Outros projetos, espalhados por outros bairros, mostram que, depois de anos reduzido a fronteiras que iam do Leblon à Lapa, o mapa cultural do Rio que é visto parece começar a se deslocar para onde a bússola aponta.
— Tá vazando — define Qinho, num termo que toca na ideia de saturação evocada por outros artistas e produtores entrevistados para a reportagem. — Esse circuito de Zona Sul e Lapa começou a ficar asfixiado.
Não se trata de uma revitalização ou de um resgate. A cultura na Zona Norte, é claro, seguiu ativa desde sempre, a despeito da falta de investimentos ou de políticas públicas para a região — basta pensar no funk carioca, mais poderosa manifestação cultural da cidade das últimas décadas. O que acontece agora parece ser a junção, por um lado, de novas demandas da área (com o surgimento de uma jovem geração de produtores e o reconhecimento da existência de um público local) com a necessidade, por outro, do crescimento dos limites da cidade viável para o mercado da cultura de vanguarda (jovens artistas, linguagens experimentais). Uma cidade que se tornou pequena, espremida nos bairros nobres. E que agora, como exposto na metáfora de Qinho, começa a dar sinais de vazamento.
Eventos como o Ocupa Geringonça e Dobradinhas e Outros Tais são o reflexo disso. Realizados na região da Tijuca — pela proximidade com o Centro e com o acesso pelo Túnel Rebouças, o bairro é o que mais dá sinais desse movimento —, ambos já apresentaram artistas que seriam associados ao público da Zona Sul e a palcos como o (hoje fechado) Studio RJ, Audio Rebel ou mesmo o Circo Voador. Nomes como Curumin, Letícia Novaes, Ava Rocha, Céu e Metá Metá. Além disso, há outros pontos comuns, como a criação de espaços novos (o terraço de um restaurante na Praça da Bandeira, no caso da Dobradinhas, e quadras nos morros do Borel e da Formiga ou o estacionamento do Sesc Tijuca, como ocorre no Ocupa Geringonça) e o cruzamento de artes plásticas, música, cinema, design e fotografia.
— A agenda carioca de shows, que para a maioria dos artistas costuma se limitar à Zona Sul, não se sustenta — avalia Julianna Sá, idealizadora do Dobradinhas, série de shows realizada nos últimos meses que gerou um EP de canções inéditas feitas pelos músicos participantes (o lançamento será no dia 31 de março). — Quando pensei o Dobradinhas e Outros Tais, me pareceu um evento próprio para a Zona Sul, afinal os artistas se consolidaram lá, seu público estaria lá. Mas não é verdade. Há, obviamente, uma série de pessoas na Zona Norte interessadas em mil coisas. E não é uma novidade. O grupo Severiano Ribeiro investiu na reforma e na inauguração de salas de cinema na Conde de Bonfim pouco antes da abertura do metrô na Saens Peña. Queriam competir com a facilidade de se chegar à Zona Sul. Esse esforço, por décadas, deixou de existir, houve um abandono das iniciativas pública e privada. As pessoas se acostumaram que, pra ir ao cinema ou para ver um show, elas precisariam deixar seus bairros. Não é ruim deixar o próprio bairro, pelo contrário, é viver a cidade do tamanho que ela de fato tem. Só que esse tamanho, culturalmente, ficou pequeno.
O Ocupa Geringonça é uma parceria do Sesc Tijuca (que sustenta financeiramente o evento) com o coletivo Norte Comum (que faz a curadoria). O Norte Comum é um exemplo claro desse novo pensamento sobre a cidade, de abertura e circulação. Ele promove ações espalhadas pela cidade — uma das mais bem sucedidas é o Sarau Tropicaos, no Hospital Nise da Silveira, no Engenho de Dentro — seguindo a ideia expressa no texto de apresentação de sua página no Facebook: “O intuito não é de fechar o território, e sim de abrir”.
— O Norte Comum veio de uma ansiedade de muitos de produzir coisas para as pessoas que moravam na Zona Norte — explica Carlos Meijueiro, um dos articuladores do coletivo. — Um dos desejos era aproveitar os espaços já existentes, como na Tijuca temos o Teatro Ziembinski, o Centro Municipal de Referência da Música Carioca... Fomos bater na porta do Sesc e assumimos a curadoria do Geringonça. Acaba chegando também um público da Zona Sul, sobretudo nos eventos da Tijuca. Isso tudo vem num momento em que a cidade está te empurrando para fora. É cada vez mais difícil existir e resistir no Rio. É cada vez mais difícil arrumar um trabalho que pague a permanência aqui. O único caminho acaba sendo se reunir. A galera está se juntando para aproveitar o momento e entender o que vai fazer.
Leo Feijó trabalha na região com a mesma perspectiva, em projetos como o Território Criativo Grande Méier, em parceria com o Imperator.
— A ideia é estimular uma rede de produtores locais. — Você passa na Rua 24 de Maio e vê casas antigas enormes, mal cuidadas. São imóveis com aluguéis acessíveis, à espera de quem os ocupe com iniciativas culturais. Essas condições já se deram em Manchester (na Inglaterra), na Lapa, em Botafogo. Agora é ali, explica Feijó.
O produtor acredita que o aumento do custo de vida contribui para a percepção de que a cidade precisa crescer na direção da Zona Norte.
— Seu aluguel aumenta em 100%, e você é obrigado a considerar que a cidade não se limita à Zona Sul.
Chacal, que levará para o Imperator seu CEP 20.000 (será o CEP 20 Méier), defende essa movimentação:
— Tem que ir para a Zona Norte, é onde as coisas estão acontecendo. Há até uma percepção do poder público, editais que pensam a territorialização da cultura (no edital para seleção de Pontos de Cultura, de setembro de 2013, a Secretaria Municipal de Cultura estabeleceu um corte por território, determinando que 60% dos pontos fossem nas Zonas Norte e Oeste). Vem surgindo um pensamento interessante sobre a região, com caras como Marcus Faustini e (o diretor teatral) Marcus Galiña.
Qinho, que dialoga com o Norte Comum, levará ao Imperator o projeto Rio Música Contemporânea. Nele, em shows mensais, nomes da nova cena musical carioca dividem o palco com um artista consagrado.
—Vejo esse movimento como uma volta, um olhar para o lugar de onde a cidade veio — avalia o músico e produtor. (Na Tijuca/Redação)

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