domingo, 20 de maio de 2007

Isolamento para 430 mil

Barricadas erguidas pelo tráfico de drogas e milícias para evitar a chegada da polícia deixam moradores de 23 favelas sem direito a serviços, como remoção de lixo e fornecimento de luz

Rio - Para proteger seu esconderijo e facilitar fuga durante operações policiais, o chefe do tráfico na Favela Barreira do Vasco, em São Cristóvão, Marcelo Araújo de Souza, o Cobra, 35 anos, instalou dois portões de aço em um dos becos da comunidade. A exclusão se repete em pelo menos outras 22 favelas da capital, onde a polícia já flagrou este ano e tem informações da existência de ruas fechadas por barricadas colocadas por traficantes e milicianos. Restrições dos bandidos isolam cerca de 430 mil moradores da vida legal e limitam prestação de serviços básicos, como remoção de lixo e entrega de correspondência.

Os portões na Barreira do Vasco existem desde o ano passado. As pessoas que moram no trecho de cerca de 60 metros entre os dois portões possuem chaves. Os próprios moradores apóiam a medida e já impediram que PMs os retirassem. No trecho entre os dois, fica a fortaleza de Cobra: casa de quatro andares onde mora tia do bandido e onde ele costuma passar os fins de semana com a mulher e filhos.

Apesar dos obstáculos, operação do 4º BPM (São Cristóvão), ontem, resultou na morte de um bandido. Com ele estavam pistola e 500 embalagens com droga.

BOTIJÕES DE GÁS

Instalar barricadas é prática antiga do tráfico, mas se sofisticou. No início, os bandidos obstruíam ruas com lixo, troncos, quebra-molas e móveis velhos. Só nos complexos do Alemão e da Penha foram retiradas desde o início do mês 160 toneladas de lixo e entulho usados em barreiras.

Além de instalar portões de aço, muros e blocos de concreto, criminosos jogam óleo no asfalto, como nas últimas semanas no Complexo do Alemão. Os bandidos montaram barreira com cerca de 20 botijões de gás para serem explodidos em confronto com a polícia.

Na Favela de Manguinhos, duas barricadas com entulho são visíveis da Avenida dos Democráticos. Na vizinha comunidade da Mandela, há quatro barreiras com blocos de concreto e trilhos de trem.

No Dique, em Jardim América, os bandidos instalaram pequenos quebra-molas com distância de apenas um metro um do outro. Em outras favelas como a Camarista Méier, Jacarezinho, Complexo do Lins, Muquiço, Pedreira e Cajueiro, a polícia tem informações sobre barreiras montadas com troncos de árvores, lixo e pedaços de carros velhos. Na Mangueira, criminosos usam veículos queimados.

Outras comunidades tiveram barricadas retiradas este ano. Uma em Antares, Santa Cruz, onde a PM removeu sete barreiras. O mesmo ocorreu na Vila Aliança; no Fumacê, em Realengo; na Cidade Alta; na Vila Kennedy; no Barbante, em Campo Grande, e na Cidade de Deus.

ESTRATÉGIA PARECIDA É USADA EM OUTROS PAÍSES

Em outros países da América Latina, o tráfico de drogas também criou zonas de exclusão. Em Medellín, na Colômbia, onde funcionou um dos maiores cartéis de drogas na década de 80, comunidades como Santander, Santo Domingo e Andaluzia, além de outros 20 bairros, foram isoladas pelos traficantes. A região batia recordes em número de homicídios.

Assim como em muitos lugares do Rio, os grupos que controlavam a venda de drogas não permitiam que pessoas circulassem entre comunidades diferentes. O poder público não entrava em nenhum local.

Essas áreas de exclusão ganharam incentivos do governo colombiano nos últimos anos, principalmente com a criação do metrocable, teleférico que liga várias favelas que, antes, eram proibidas de manter contato entre elas. A iniciativa foi acompanhada pelo surgimento de escolas, bibliotecas e a criação de microcrédito para estimular empreendimentos locais. Como resultado, as taxas de homicídios baixaram.

O projeto encantou o governador Sérgio Cabral, que já pretende implantar algo semelhante ao metrocable no Complexo do Alemão e na Rocinha.

No México, os traficantes utilizam métodos semelhantes aos dos cariocas: costumam bloquear ruas e calçadas com barricadas e atacar policiais nas ruas. Em uma das ações, decapitaram dois policiais e exibiram suas cabeças na frente do prédio do governo.
Em Los Angeles, nos Estados Unidos, a zona de exclusão é imposta por gangues de tráfico de drogas que dividem o controle de bairros inteiros.

Na Ilha, taxa de R$ 15 por portões

Até as milícias formadas por policiais e ex-policiais montam barricadas para dificultar o acesso às comunidades que dominam. Depois de assumir o controle da Favela Vila Joaniza, na Ilha do Governador, os milicianos instalaram pelo menos quatro portões na comunidade e obrigaram os moradores a pagar R$ 15 pelo serviço.

Na Kelson’s, na Penha, muro de mais de dois metros dificulta invasão de traficantes. Até o governador Sérgio Cabral enfrentou barricadas: teve que desviar delas ao visitar Parada de Lucas e Vigário Geral.

PREJUÍZO DE R$ 3 MILHÕES COM REPAROS

Com a violência imposta pelo tráfico, pelo menos 150 transformadores de luz e 250 cabos de energia elétrica são destruídos a tiros por ano, segundo a Light. A concessionária gasta, em média, quase R$ 3 milhões por ano para realizar os reparos.

Os sucessivos tiroteios no Complexo do Alemão causam problemas na coleta de lixo. Segundo a Comlurb, estima-se que 30 toneladas de entulho deixaram de ser recolhidas. Com os confrontos, a empresa ficou duas semanas impedida de trabalhar no local. Nos dois últimos dias, a companhia retirou 41,6 toneladas.

Ontem, a Vila Cruzeiro teve um dia de paz. Na Nova Brasília, houve tiroteio entre bandidos e policiais do Bope.

O Dia Online

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